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Crônica: "O Santo do Pau Oco"

Confira a crônica de David Marinho, colunista do Diário do Tapajós

Por Diário do Tapajós em 21/12/2023 às 20:04:40

A vida no interior é bom demais, despretensiosa e descansada. Bom demais, que até leva as pessoas com alguns neurônios a mais a terem idéias mirabolantes e criativas. Estou dizendo isso baseado em um caso verídico que aconteceu em uma comunidade muito católica e religiosa aqui de nossa região no Pará.

Nesse lugar tinha muitas idosas beatas de Santo Antonio, principalmente as que não casaram e que alimentavam ainda a esperança de conseguirem um "bom partido", ou seja, um namorado ou marido. Foi ai que um adolescente de nome Amadeu muito criativo e com habilidades artísticas em escultura resolveu aprontar com os comunitários. Embrenhou-se na mata, escolheu um pau macio e com sua manha resolveu esculturar uma imagem de Santo Antônio, para isso inventou um pretexto para justificar sua ausência em casa de algumas horas durante uma semana, que estava caçando rolinhas.

Amadeu com um canivete e muita paciência conseguiu confeccionar uma cópia perfeita de Santo Antonio, depois deu um banho de resina vegetal na imagem para envelhecê-la e deixou-a enterrada no barro por uma semana para denotar que era uma peça envelhecida e a deixou escondida na mata, fato que já estava dando cupim no seu interior...

Certo dia, Amadeu resolveu que já era hora de dar vida à sua arte e arquitetou um plano de colocar a imagem estrategicamente no ramal onde as velhinhas desciam para tomar banho. Dito e feito, esperou dar uma chuva e colocou a imagem em um lamaçal no caminho das idosas com a metade do corpo pra fora da lama e foi esperar ansioso em sua residência pelo resultado de sua façanha...Ao por do sol, as velhinhas ao subirem do banho, ainda claro, se depararam com a imagem no caminho e voaram em cima algumas caindo na lama, pois todas queriam por a mão primeiro em Santo Antônio, pensando já em um casório...

No outro dia ainda de madrugada, as idosas foram acordar o padre alemão e comunicá-lo do milagre acontecido, cada uma delas dizendo que viu primeiro. O padre puto da vida pela interrupção de seu sono ficou com a imagem e mandou a velharada embora, dizendo que depois trataria do assunto. O padre tentou esconder a imagem dos fiéis, pois ele era pároco de São Francisco e ele não queria causar confusão entre os adeptos dos dois santos, mas não teve jeito e conciliou o acontecido arranjando um lugarzinho sem oratório na igreja para o Santo achado. E o Amadeu, causador de todo esse imbróglio, passou dois meses comemorando interiormente pela bagunça que causara, às vezes segurando a vontade louca de falar logo que era ele o autor daquele sacrilégio na esperança de receber algum elogio ou até mesmo um castigo. Então foi quando teve uma brilhante idéia, pelo menos pra ele, viu que seu "santo do pau oco" ficara desprezado num cantinho na igreja e gostaria de presentear-lhe com um oratório novinho condizente com sua importância...

Foi aí que ainda empolgado, Amadeu se traiu a si mesmo e resolveu fazer um oratório da mesma madeira do santo e na frente de seus familiares e de cara limpa. Marcou um dia com todas as idosas para a entrega do presente ao padre convidando todos os comunitários. Chegaram á igreja como se fosse uma procissão e ele ia na frente com aquela casinha na cabeça e entraram na igreja. O padre meio atordoado com tudo aquilo que via, pediu explicação, mas não teve resposta, foi quando se deu conta de que alguém tinha um oratório na cabeça e era ninguém mais do que o safadinho do Amadeu, ex-coroinha peralta que lhe deu muito trabalho e logo matou a charada, mas ficou calado...

Todos já dentro da igreja, alguém tomou a palavra e comunicou ao sacerdote que aquilo era um presente para Santo Antonio, então o padre alemão com a voz embargada e com sotaque do portunhol disse; - Eu agredeço o presenti e talvez Sento Antonio tambiem. E continuou olhando diretamente para o Amadeu e com o dedo a riste, sacramentou: - Quiem fez oratório, fez santo tambiem! – Fora impostore!!!

Amadeu vendo que foi desmascarado, passou o oratório para outras mãos e saiu da igreja correndo como um louco. O padre se recompôs e tentou explicar para seus fies que estavam sendo vítimas de um sacrilégio praticado por um ex-coroinha que comia toda hóstia e bebeu todo o vinho do padre. Abençoou os fiéis e mandou todo mundo pra casa...

*David Marinho é colunista do Diário do Tapajós