A PolĂcia Federal (PF) pretende ouvir, ainda nesta terça-feira (10), uma das mulheres que, segundo a organização de apoio a vĂtimas de violĂȘncia sexual Me Too, afirma ter sido assediada sexualmente pelo ex-ministro dos Direitos Humanos e Cidadania Silvio Almeida.
O caso corre em segredo de Justiça e, como de costume em ocorrĂȘncias envolvendo denĂșncias de violĂȘncia sexual, o nome da mulher e o local do depoimento não foram informados, medida adotada para preservar a identidade da depoente.
A PolĂcia Federal deu inĂcio a uma investigação preliminar na sexta-feira (6), um dia após o portal de notĂcias Metrópoles noticiar que um grupo de mulheres procurou a Me Too para denunciar o então ministro por assédio sexual. De acordo com o site, entre as vĂtimas de Silvio Almeida estaria a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.
Poucas horas após o assunto vir a pĂșblico, a Me Too divulgou uma nota em que afirma que as denunciantes a procuraram e autorizaram a confirmação do caso à imprensa porque "como ocorre frequentemente em casos de violĂȘncia sexual envolvendo agressores em posições de poder, enfrentaram dificuldades em obter apoio institucional para a validação de suas denĂșncias".
A Comissão de Ética PĂșblica da PresidĂȘncia da RepĂșblica também abriu procedimento preliminar para esclarecer os fatos.
Na sexta-feira, o presidente da RepĂșblica, Luiz InĂĄcio Lula da Silva, demitiu Silvio Almeida, "considerando a natureza das acusações" e por julgar "insustentĂĄvel a manutenção do ministro no cargo".
Nesta segunda-feira (9), o presidente nomeou a deputada estadual mineira pelo PT Macaé Evaristo para assumir o comando do ministério.
Advogado, professor universitĂĄrio e por muitos considerado referĂȘncia no debate sobre as relações raciais e o racismo na estruturação nacional, Silvio Almeida nega as acusações. Em uma primeira nota divulgada na noite de quinta-feira (5), o ainda ministro chegou a se referir às acusações como "mentiras" e "ilações absurdas", alegando que lhes faltava materialidade, ou seja, indĂcios objetivos da existĂȘncia de crime.
Na manhã desta terça-feira, Thiago Turbay, um dos advogados do ex-ministro, disse à AgĂȘncia Brasil que passados seis dias a defesa ainda não teve acesso integral às acusações. JĂĄ na sexta-feira, a defesa do ex-ministro acionou a Justiça Federal para obter explicações da organização Me Too. À AgĂȘncia Brasil, a organização informou que ainda não foi notificada da interpelação judicial.
"O objetivo é Ășnica e exclusivamente pedir esclarecimento dos fatos que, até agora, não foram revelados nem ao Silvio [Almeida], nem à defesa, nem à sociedade brasileira", disse o advogado Thiago Turbay, destacando que a iniciativa não visa a constranger qualquer uma das eventuais vĂtimas.
"Não estamos interpelando a nenhuma das vĂtimas. Sequer perguntamos seus nomes. O que queremos saber é quais os critérios de averiguação [das denĂșncias] foram utilizados pela ONG, jĂĄ que a assistĂȘncia jurĂdica implica em algum grau de apuração. É preciso checar se a denĂșncia tem elementos de corroboração, validade, coerĂȘncia. DaĂ porque queremos saber detalhes de como a organização agiu neste caso especĂfico. Como ela foi acionada, como armazenou e registrou os depoimentos, se preserva a identidade das vĂtimas. Enfim, o que a defesa quer saber é quais os protocolos utilizados. Isso nos interessa para nos certificarmos que um eventual processo não serĂĄ contaminado por vieses ou interesses", explicou o advogado, admitindo que, em um caso como esse, a defesa é prejudicada por decisões tomadas na esfera polĂtica, como a demissão antes de que os fatos sejam esclarecidos.
"Entendo a equação polĂtica e que cabe [aos agentes polĂticos] avaliarem o dano que um fato [como esse] pode causar. Entendo e respeito, da mesma forma que o Silvio me disse que a decisão [sobre seu destino] cabia ao presidente [Lula], mas isso [a demissão] efetivamente prejudica a defesa, porque alimenta, na opinião pĂșblica, uma crença na culpa [do acusado] sem que nem mesmo os fatos tenham sido revelados e esclarecidos. O Silvio, por exemplo, estĂĄ sendo condenado antes mesmo [da defesa] tomar conhecimento [de quem são as] vĂtimas", concluiu o advogado.
Em duas notas jĂĄ divulgadas sobre o caso, a Me Too argumentou que Silvio Almeida e sua equipe tentam "desviar o foco da grave denĂșncia", buscando desqualificar a atuação da organização.
"O Me Too Brasil é uma organização que atua diretamente no acolhimento de vĂtimas de violĂȘncia sexual, prestando apoio psicológico, jurĂdico e de assistĂȘncia social, bem como trabalha em campanhas de conscientização, incidĂȘncia legislativa, advocacy e litigância estratégica, entre outras ações voltadas à defesa dos direitos de mulheres, crianças e adolescentes", disse a organização.
"VĂtimas de violĂȘncia sexual, especialmente quando os agressores são figuras poderosas ou influentes, frequentemente enfrentam obstĂĄculos para obter apoio e ter suas vozes ouvidas. Devido a isso, o Me Too Brasil desempenha um papel crucial ao oferecer suporte incondicional às vĂtimas, mesmo que isso envolva enfrentar grandes forças e influĂȘncias associadas ao poder do acusado", acrescentou a entidade, garantindo que atendeu as autoras dos relatos de assédio sexual por meio dos canais de atendimento da organização, oferecendo a elas acolhimento psicológico e jurĂdico.
"A denĂșncia é o primeiro passo para responsabilizar judicialmente um agressor, demonstrando que ninguém estĂĄ acima da lei, independentemente de sua posição social, econômica ou polĂtica", afirma a Me Too Brasil.
Fonte: AgĂȘncia Brasil