Durante muito tempo se propagou a frase pronta e desconexa de que em "briga de marido e mulher ninguém mete a colher". Por mais que na atualidade pareça descabida, em outros momentos soava como uma verdade absoluta e quase intocável de que não competia à terceiro intervir em problemas de casais, sejam eles no ambiente residencial ou mesmos em espaços públicos, onde corriqueiramente se testemunhavam casos de violência de gênero como agressões, abusos, assédios e humilhações.
Com o passar do tempo, percebeu-se a necessidade de intervenção estatal diante dessa realidade cruel e ultrajante, que por séculos foi fortalecida por uma estrutura social de patriarcado que submetia ou mesmo resumia a existência das mulheres a posições enfraquecidas e marginalizadas no contexto social.
É fácil de constatar que enquanto perdurava a ideia retrógrada de não interferência no ambiente de violência familiar contra as mulheres, bem como a falta de apoio e proteção do Estado Democrático de Direito, milhares de mulheres vivenciaram jornada de terror e violações, além das que tiveram suas vidas ceifadas pela violência desmedida e desenfreada.
Foi nessa conjuntura cruel que o Estado, os entes públicos e a sociedade organizada buscaram formas de coibir essa ultrajante realidade, além de impor punições incisivas que pudessem punir agressões, bem como reverberar o caráter pedagógico da mão forte do Estado agindo contra todo tipo de violência contra as mulheres.
E nesse contexto, ganha destaque especial a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), promulgada em 7 de agosto de 2006, que foi um marco legal da proteção aos direitos das mulheres no Brasil. Maria da Penha Maia Fernandes foi submetida por anos seguidos a diversas e graves formas de violência imposta por seu ex-esposo, travou uma batalha judicial por décadas até conseguir lograr êxito e ter a condenação de seu agressor, que após uma tentativa de feminicídio a deixou paraplégica. Sua luta marcou um divisor de águas e a tornou um símbolo da luta contra violência sofrida por mulheres.
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Os recorrentes casos de incêndio em condomínios do Pará e a necessidade de redobrar os cuidados com a segurança
Apesar de grandes avanços, ainda se faz necessário voltar os olhos para o debate e prevenção, pois ainda há diariamente mulheres sofrendo violência, sejam elas físicas, morais, psicológicas ou patrimoniais, além de terem suas vidas interrompidas covardemente no próprio ambiente familiar e residencial.
Outro marco importante na proteção das mulheres contra todo tipo de violência doméstica e familiar, foi a promulgação pelo Governo do Estado do Pará, no dia 10 de junho de 2021, da Lei 9.278/2021, a qual passou a obrigar os condomínios a denunciar sobre a ocorrência ou indícios de agressão doméstica contra mulheres, além da inclusão de crianças, adolescentes e idosos, tanto nas áreas comuns quanto nas unidades privativas dos empreendimentos.
Esta Lei passou a obrigar síndicos e representantes legais de condomínios em todo território paraense, bem como seus moradores, ao tomarem conhecimento ou presenciarem qualquer tipo de agressão doméstica contra mulheres, mesmo no contexto doméstico, deve tomar a iniciativa de denunciar fazendo constar no livro de registro do condomínio a ocorrência ou acionando diretamente o síndico. Além disso, sempre que possível, deve ser informado os nomes dos envolvidos, a indicação do local onde ocorreu a agressão e um breve relato dos fatos, detalhes que servirão para que a administração condominial tome as medidas cabíveis para o início imediato das investigações para identificar e responsabilizar o agressor, bem como proporcionar à vítima segurança de forma célere.
Além disso, a partir da vigência da mencionada Lei não há mais a necessidade, como antes se estabelecia, de se dirigir a uma Delegacia Especializada para fazer esse tipo de ocorrência. A denúncia pode ser feita em qualquer uma das unidades policiais do Estado.
*Pedro Henrique Garcia Tavares é advogado especialista em Direito Condominial e articulista do Diário do Tapajós, onde assina a coluna "Vidas em Condomínios"