A transcrição de um áudio gravado por Alexandre Ramagem – ex-diretor da Abin na gestão Bolsonaro – mostra que, durante uma reunião, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno e advogadas de Flávio Bolsonaro (PL-RJ) discutiram formas de buscar em órgãos oficiais dados sobre investigação contra o senador do PL e deixar isso "fechadíssimo".
A reunião ocorreu no dia 25 de agosto de 2020.
A gravação – cujo sigilo foi derrubado nesta segunda-feira (15) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) – faz parte do inquérito que investiga o uso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para espionagem ilegal de desafetos de Bolsonaro.
Em determinado momento da reunião gravada, a advogada Luciana Pires fala em buscar dados sobre pessoas envolvidas em apurações sobre Flávio Bolsonaro.
Uma das linhas de investigação da Polícia Federal é de que o entorno de Bolsonaro buscou quem dentro da Receita estava fazendo a investigação, para, posteriormente, tirar a pessoa do processo.
Na reunião, a advogada Luciana Pires diz:
"Olha, em tese, com um clique você consegue saber se um funcionário da Receita [inaudível] esses acessos lá".
Em seguida, o então chefe do GSI, general Augusto Heleno, afirma:
"Tentar alertar ele que, ele tem que manter esse troço fechadíssimo. Pegar gente de confiança dele. Se vazar [inaudível]".
A pessoa a quem Augusto Heleno se refere é Gustavo Canuto, que foi presidente da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev) e ministro do Desenvolvimento Regional na gestão Bolsonaro.
O ex-presidente Jair Bolsonaro, então, diz:
"Tá certo. E, deixar bem claro, a gente nunca sabe se alguém tá gravando alguma coisa. Que não estamos procurando favorecimento de ninguém".
A quarta fase da operação Última Milha, deflagrada na semana passada, cita o áudio da reunião entre os quatro, durante a qual Ramagem teria dito que era preciso tomar medidas para anular a investigação que atingia o filho do ex-presidente.
Nessa reunião, segundo a PF, foi discutida uma estratégia para desmoralizar e afastar os auditores da Receita Federal envolvidos na apuração.
Os servidores da Receita levantaram movimentações de Flávio Bolsonaro a partir de levantamentos do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), mostrando incompatibilidade com a renda do senador.
O áudio também mostra que Bolsonaro sugeriu falar sobre o caso Flávio com os então chefes do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e da Receita.
Durante essa conversa, Bolsonaro orienta a procurarem Gustavo Canuto, ex-ministro do governo, que comandava a Dataprev. A ideia era verificar acesso de dados pela Receita. Heleno demonstra preocupação que o tema vaze.
Advogadas queriam 'prova' de que investigação era irregular
A gravação mostra também que as advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach queriam encontrar supostas "provas" de que a investigação contra Flávio Bolsonaro era irregular.
Juliana Bierrenbach: Então, o que eu tenho? Eu não tenho uma prova de que foi feito isso com o Flávio.
Luciana Pires: A gente quer essa prova.
Juliana Bierrenbach: Qual é a prova possível de ser produzida? O Serpro, ele produz.
Juliana Bierrenbach: Um relatório. Eu trouxe um arquivo de exemplo, que é uma apuração especial do Serpro. Chama apuração especial do Serpro. Segundo o que me informaram.
Juliana Bierrenbach: A primeira pessoa que tentou fazer isso, que é uma pessoa, foi um sujeito que eu até coloco algumas coisas aqui para que fique mais fácil de entender. É ele, funcionário da Receita, que começou a falar o seguinte: 'Olha só, eu faço o que você está pedindo desde que você me mande um ofício determinando, e a partir daí foi feita uma perseguição, ele foi demitido efetivamente. Quando ele foi demitido, ele começa a tentar...
Juliana Bierrenbach: divulgar, denunciar esse esquema, não só porque ele trabalhava já, no total do score zero sete, que é o escritório da corregedoria zero sete.
Juliana Bierrenbach: Quem é que faz todo esse esquema ne? então leva um ano, leva um ano para conseguir essa apuração, porque se você consegue essa apuração, você consegue perceber que muito antes do que eles declaram Eduardo em especial, eles dizem ter começado a investigação por meio de uma denúncia anônima, e eles não começam. A gente vê pela apuração especial dele que, um ano antes, eles já estavam pesquisando.
Juliana Bierrenbach: e eles pesquisam todas as bases. a quantidade de bases que eles pesquisam, são bases que eu não sabia nem que existia.
Juliana Bierrenbach: Isso é, isso é de uma pessoa qualquer.
Juliana Bierrenbach: Esses acessos não aparecem. Se você pede uma apuração especial do Serpro, aparecem todos esses acessos que foram feitos, ou seja, você demonstra que não houve, é uma investigação como deveria ser feita. É uma investigação completamente ilegal, incostucionional e passível de nulidade de todos os pontos. Todos os pontos a gente consegue anular, entende?
Juliana Bierrenbach: Foi feita uma denúncia sobre isso. Quatro funcionários da Receita, que foram quatro auditores, cinco auditores.
Alexandre Ramagem: Tem que haver uma análise, contundente. Se é algo realmente robusto essa questão desses quatro auditores. E se realmente foi esbarrada no Ministério Público. Porque esse é o caminho correto de averiguar uma possível irregularidade ali. O que circula realmente é a promiscuidade entre MP e Receita, desde o começo. Não é apenas o COPEI, é o SPEI, na ponta.
Juliana Bierrenbach: o SPEI, com certeza.
'A gente nunca sabe se estão gravando', suspeita Bolsonaro
Na reunião, que foi gravada por um aliado de Bolsonaro, segundo a Polícia Federal, afirmou "a gente nunca sabe se estão gravando".
A fala indica que o ex-presidente não sabia se havia a gravação.
Em determinado momento da gravação, divulgada nesta segunda-feira, a advogada Luciana Pires fala sobre buscar dados de funcionários da Receita.
Bolsonaro, mais à frente, diz:
"Tá certo. E, deixar bem claro, a gente nunca sabe se alguém tá gravando alguma coisa. Que não estamos procurando favorecimento de ninguém", afirmou o ex-presidente.
Investigação da 'rachadinha'
Em outubro de 2020, o Ministério Público do Rio denunciou à Justiça o senador Flávio Bolsonaro, o ex-assessor dele Fabrício Queiroz e mais 15 investigados pelos crimes de organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita no esquema da "rachadinha", na época em que Flávio Bolsonaro era deputado na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
Flávio Bolsonaro foi acusado de chefiar uma organização criminosa que recolhia parte do salário de seus ex-funcionários para seu benefício – prática conhecida como "rachadinha".
O senador nega que tenha cometido os crimes.
Segundo o MP, foram identificados pelo menos 13 assessores que repassaram parte dos salários ao ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz. De acordo com documento do órgão, ele recebeu 483 depósitos na conta bancária, mais de R$ 2 milhões.
Em novembro de 2021, o STJ anulou as decisões do juiz de primeira instância que quebrou os sigilos bancário e fiscal de Flávio Bolsonaro e outros 102 alvos.
No mesmo mês, o STF anulou quatro dos cinco Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) do Coaf, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, que embasaram a investigação da "rachadinha".
Com estas decisões, permaneceu válido apenas o primeiro RIF, que deu início à investigação da "rachadinha" ao detectar movimentações financeiras consideradas suspeitas de Fabricio Queiroz, assessor do gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj.
Depois da anulação das principais provas da investigação pelo STJ e pelo STF, o MP pediu ao Órgão Especial do TJ do Rio que a denúncia contra Flávio Bolsonaro fosse arquivada, ou seja, extinta sem análise do mérito.
Mas, em maio de 2022, os desembargadores do Órgão Especial rejeitaram a denúncia por ausência de justa causa, em vez de arquivá-la. Em setembro de 2023, a 5ª Turma do STJ manteve a decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio que rejeitou, em vez de arquivar sem resolução de mérito, a denúncia contra o atual senador.
Fonte: G1