A crise hídrica, que castiga parte da Amazônia desde 2023, segue revelando desafios para o meio ambiente e a economia locais. Em Oriximiná, no Pará, cidade conhecida pela robusta atividade agroextrativista, comunidades indígenas e quilombolas testemunham dificuldades provocadas pelos impactos das mudanças climáticas no fenômeno El Niño, o que ocasionou a queda drástica das chuvas, provocando redução dos níveis de água nos rios, impactando diretamente o transporte de produtos como a castanha-do-Brasil.
De acordo com Manoel Erbson Vieira dos Santos, conhecido como Preto, um dos produtores locais e diretor da Cooperativa Mista dos Povos e Comunidades Tradicionais da Calha Norte (Coopaflora), os rios ainda não recuperaram seus níveis normais devido à seca, dificultando a navegação na região e a consequente entrada de embarcações nas áreas de coleta e de escoamento das produções.
A presença excessiva de vegetação, que cresceu no que antes era o fundo do rio e entraram em decomposição com o tímido alagamento recente, além de dificultar a navegação torna a água inviável para consumo, evidenciando o impacto duradouro da seca. Apontando outras dimensões do problema
"A escassez de água é uma realidade presente em nossa comunidade, que se complica pela ausência de poços artesianos na maioria das casas. Essa situação nos obriga a utilizar a água do rio, que não é ideal para consumo", destacou Preto.
No contexto da agricultura familiar, especialmente no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), Preto conta que as queimadas intensas e um verão particularmente rigoroso devastaram as plantações de banana, levando a uma recuperação ainda incompleta.
"As bananas produzidas estão abaixo do padrão esperado em termos de tamanho. Além disso, a produção de castanhas foi severamente afetada, resultando em uma safra reduzida. O transporte dessas castanhas também está comprometido, com muitas delas retidas nos igarapés e quedas d"água que ainda sofrem com a falta de água", comentou.
Castanha-do-Brasil
Samuel Wai-Wai, indígena cooperado à Coopaflora, relata o cenário atual do transporte de sua principal fonte de renda, a castanha-do-Brasil, para a cidade. "Uma viagem que normalmente levaria quatro horas agora é repleta de incertezas e perigos devido à redução drástica dos níveis de água", explicou.
Ele continua, detalhando os obstáculos adicionais impostos pela seca: "a escassez de água transformou nossas rotas em caminhos quase intransitáveis, aumentando os riscos, especialmente nas proximidades das cachoeiras. Além disso, a ausência de um caminhão e a necessidade de um bote motorizado nos deixam vulneráveis, pois a castanha representa não apenas um produto, mas a garantia de nosso sustento", alertou.
Samuel também reflete sobre as adversidades do ano anterior, destacando como a combinação de preços baixos e seca afetou a produção. "Enfrentamos uma série de desafios, desde a queda nos preços até a dificuldade no transporte da produção devido à seca, que restringe nosso acesso aos mercados e atrasa a venda de nossos produtos, impactando diretamente nossa subsistência," ele explica.
Comercialização
Em 2023, a comercialização de castanhas na Coopaflora atingiu 783 hectolitros, correspondendo a uma receita de R$168 mil. Já em 2024, esse número é de 250 hectolitros. Essa queda não apenas reflete as adversidades climáticas, mas também ressalta a fragilidade de um sistema dependente dos ciclos naturais e da integridade dos ecossistemas fluviais. Os números são parciais e a coleta da safra segue ocorrendo, porém acendem o alerta para o mercado.
Mateus Feitosa, analista de projetos do Programa Florestas de Valor, uma iniciativa do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) com patrocínio do Programa Petrobras Socioambiental, conta que a organização articula esforços para amenizar o impacto sobre os produtores, enfatizando com os compradores a importância de manter a confiança e a paciência. "A redução da disponibilidade de castanhas não é um fato isolado, é o reflexo de vários eventos desencadeados pelas alterações climáticas, que impactam desde a polinização das árvores até a logística de transporte", conta.
Para mitigar o impacto da crise, o Imaflora e a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná (ARQMO) mobilizaram recursos e parcerias para fornecer assistência às comunidades locais. Doações significativas de cestas básicas e recursos para aquisição de equipamentos de captação de água foram realizadas, visando aliviar as dificuldades imediatas enfrentadas pelos moradores.
As doações resultaram na distribuição de 260 cestas básicas pelo Instituto da Criança e 300 pelo Instituto Humanize, além de um projeto do ICS que disponibilizou R$ 175.000,00 para aquisição de equipamentos para captação de água. "Essas ações demonstram a solidariedade e a urgência em atender às necessidades imediatas das comunidades, enquanto trabalhamos juntos por soluções de longo prazo," conclui Feitosa.
Mateus afirma que o trabalho Florestas de Valor vai além do ambiental; "é um compromisso social com as comunidades que dependem dos recursos naturais para viver," explica Feitosa.
Refletir sobre a crise hídrica em Oriximiná vai além de analisar dados e números; é entender a interconexão entre a saúde ambiental, a economia e o bem-estar humano. Enquanto a castanha-do-Brasil serve de exemplo para os impactos diretos da seca, ela também simboliza a riqueza natural e cultural da Amazônia, reforçando a urgência de ações integradas para a conservação e o desenvolvimento sustentável da região.
À medida que Oriximiná e a Amazônia enfrentam esses desafios, a necessidade de soluções inovadoras, que harmonizem as necessidades econômicas com a conservação ambiental, torna-se cada vez mais evidente. O futuro da região dependerá da capacidade de adaptação e colaboração entre comunidades locais, instituições governamentais e organizações da sociedade civil, num esforço coletivo para garantir a sustentabilidade dos recursos amazônicos para as próximas gerações.
Fonte: Imaflora