O Ministério Público Federal (MPF) recomendou a suspensão imediata do licenciamento ambiental da Hidrovia Tapajós, cuja implementação inclui a dragagem (retirada de bancos de areia) e a sinalização náutica do Rio Tapajós, no Pará. A recomendação foi dirigida à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e à Marinha do Brasil. O MPF alerta que as comunidades indígenas e tradicionais da região, potencialmente afetadas pela obra, não foram consultadas, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A norma garante o direito à consulta prévia, livre e informada para qualquer projeto que impacte na vida, no território ou na cultura de povos tradicionais.
Segundo o próprio Dnit, as obras da Hidrovia Tapajós estão previstas para começarem em outubro deste ano. O empreendimento está sendo planejado para abranger todo o comprimento do rio e inclui intervenções significativas ao longo do Tapajós, como a dragagem para facilitar o transporte de grãos e minérios vindos do Centro-Oeste do país. O MPF, no entanto, aponta que a obra ameaça diretamente a subsistência das comunidades que dependem do rio para pescar e se locomover, além de alterar o modo de vida tradicional e impactar culturalmente povos indígenas e ribeirinhos, como os habitantes da Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns e da Floresta Nacional (Flona) do Tapajós.
Falta de consulta às comunidades – A principal irregularidade identificada pelo MPF é a ausência da consulta prévia aos povos indígenas e comunidades tradicionais potencialmente atingidos. Segundo o MPF, o Dnit e a Semas não tomou as medidas necessárias para garantir que essas comunidades fossem informadas e consultadas sobre os impactos do projeto, antes de avançar com o processo de licitação e de licenciamento, que já está em estágio avançado.
O Dnit já havia confirmado que o processo de contratação dos serviços de dragagem e sinalização para a hidrovia estava em fase final, sem que houvesse diálogo com as comunidades locais. Além disso, foi identificado que profissionais da empresa responsável pelo projeto foram avistados em território indígena para a realização de estudos da área, sem qualquer tipo de consulta ou permissão formal.
O MPF destacou que qualquer intervenção no Rio Tapajós, que é vital para a cultura e subsistência de diversos povos, precisa respeitar o direito à consulta e à autodeterminação das comunidades afetadas. Os impactos sobre a biodiversidade e a pesca artesanal, atividades essenciais para a economia local, também foram levantados como preocupações centrais.
Ainda segundo a recomendação, em todos os casos, relacionados à Hidrovia Tapajós ou a outros empreendimentos, a consulta precisa ser feita de boa-fé, respeitando as práticas sociais, culturais e cronológicas de cada comunidade, sem interferência de atores externos que possam influenciar o processo. O MPF reforça que o resultado das consultas deverá ser verdadeiramente levado em consideração antes de qualquer decisão sobre o licenciamento da hidrovia.
Recomendações do MPF - Diante das irregularidades, o MPF emitiu recomendações específicas e fixou um prazo de 10 dias para que as autoridades informem o acatamento ou não da recomendação, bem como apresentem as providências tomadas. Caso a recomendação não seja atendida, o MPF poderá adotar medidas judiciais para suspender o andamento do projeto.
Contexto do projeto e impactos - A Hidrovia Tapajós é considerada uma rota estratégica para o escoamento da produção agrícola e mineral do Centro-Oeste para os portos do Norte do Brasil. No entanto, o projeto tem sido alvo de críticas por parte de organizações indígenas e ambientais, que apontam os riscos de desmatamento, degradação ambiental e violação dos direitos das comunidades tradicionais.
Para os povos indígenas que habitam a calha do rio Tapajós, o rio é muito mais do que um simples corredor logístico: ele é um espaço sagrado e vital para a manutenção de suas tradições, alimentação e cultura. Intervenções como a dragagem podem alterar irreversivelmente o ecossistema local, prejudicando não apenas a fauna aquática, mas também a relação espiritual que essas comunidades mantêm com o rio.
Além disso, a região do Médio e Baixo Tapajós já enfrenta desafios como a expansão da produção agrícola e a pressão do agronegócio, que têm contribuído para o desmatamento e a exploração ilegal de recursos naturais, como madeira e ouro.
Fonte: MPF